Processo de Trabalho do Enfermeiro: poder e cidadania
Zenith Rosa Silvino
As transformações no mundo trabalho e na enfermagem colocam
aos profissionais de saúde o desafio de realizar seu trabalho dentro de um
mundo globalizado, que impõe um modelo de existência que prioriza o lucro, o
consumo. Os seres humanos são tratados como fonte de riquezas, não mais como
sentido da existência da humanidade, da ética, da vida...
Diante
dos conflitos colocados para nós, homens e mulheres que estão construindo a
chegada do terceiro milênio na área de saúde, é necessária uma profunda
reflexão, na busca de alternativas que criem uma identidade que nos unifique e
nos torne mais forte para alcançar o patamar de fazer enfermagem com prazer.
Olhando atentamente esse universo não poderíamos
deixar de contribuir para a busca de alternativas, o encontro de um
entendimento que torne o mundo das trabalhadoras e dos trabalhadores de enfermagem,
o mundo do trabalho e da saúde, um lugar compreensível e dominado por quem de
fato o produz.
É preciso tomar as rédeas do destino em nossas
mãos, através do conhecimento da realidade que nos cerca, para podermos
transformar este futuro que nos atropela com desafios, mas que apresenta também
possibilidades.
Falar um pouco sobre a processo de trabalho da enfermagem é uma forma de
tentar compreender as suas entranhas e refletir sobre algumas questões que
passam despercebidas no nosso dia-a-dia, questões estas que se apresentam como
estratégias de reprodução dos dominantes que tendem a reforçar a crença na
legitimidade da dominação.
Assim, conduzo as minhas reflexões para a
organização do trabalho do enfermeiro, no sentido de ser gerador de sofrimento
deste agente e de não haver um compromisso político-institucional, gerando,
desta forma, exclusão:
- pelo
não reconhecimento social que se traduz por uma representação de inutilidade
aos olhos da sociedade de produção e
- por
ser fruto da prática de trabalhos que não levam a uma valorização social, mas a
um desgaste constante da mente e do corpo, que passam a serem representados
pela metáfora da máquina, a qual fica “desgastada”, “cansada”, “velha”.
O conceito de exclusão em relação a organização do trabalho do enfermeiro
é buscado em SAWAIA (1999:8) que diz ser a exclusão um processo
sócio-histórico que se configura pelos recalcamentos em todas as esferas da
vida social, mas é vivido como necessidade do eu, como sentimentos,
significações e ações.
Nas nuances das configurações das diferentes qualidades e dimensões da
exclusão, é ressaltada a dimensão objetiva da desigualdade social, a dimensão
ética da injustiça e da dimensão subjetiva do sofrimento. É destacada também a
contraditoriedade que constitui a exclusão: a qualidade de conter em si a sua
negação e não existir sem ela, isto é, ser idêntica à inclusão – inserção
social perversa. A sociedade exclui para incluir e esta transmutação é condição
da ordem social desigual, o que implica o caráter ilusório da inclusão. Todos
estamos inseridos de algum modo, nem sempre decente e digno, no circuito
reprodutivo das atividades econômicas, sendo a grande maioria da humanidade inserida
através da insuficiência e das privações, que se desdobram para fora do
econômico. Portanto, em lugar da exclusão, o que se tem é a “dialética
exclusão/inclusão”.
Nesta concepção é introduzida a ética e a subjetividade na análise
sociológica da desigualdade, ampliando as interpretações legalistas e
reducionistas de inclusão como as baseadas em justiça social e restritas à
crise do Estado e do sistema de empregabilidade. Assim, a exclusão passa a ser
entendida como o descompromisso político com o sofrimento do outro.
Entre o homem e a organização prescrita para a realização do trabalho, existe,
às vezes um espaço de liberdade que autoriza uma negociação, invenções e ações
de variáveis no modo operatório, isto é, uma invenção do operador sobre a
própria organização do trabalho, para adaptá-la às suas necessidades, e mesmo
para torná-la mais coincidente com o seu desejo. Logo que esta negociação é
conduzida a seu último limite, e que a relação homem-organização do trabalho
fica bloqueada, começa o domínio do sofrimento – e da luta contra o sofrimento.
O dia-a-dia do trabalho do enfermeiro é permeado de conflitos: falta de
recursos materiais e humanos para o desenvolvimento de uma assistência de
qualidade, baixos salários, negociações improdutivas entre os donos de um saber
considerado hegemônico, técnico e um profissional que tenta dar uma abordagem
holística ao seu cuidar, a própria desigualdade na divisão do trabalho, etc...
Conviver com essas situações, muitas vezes bloqueia a relação do
trabalhador com a organização do seu
trabalho, a energia pulsional não acha descarga no exercício do trabalho e se
acumula no aparelho psíquico, ocasionando um sentimento de desprazer e tensão,
gerando insatisfação, fadiga, ansiedade, agressividade, etc...
Se todo indivíduo tem direito ao trabalho, é um direito de todo cidadão,
a qualidade deste também é um direito, pois não se pode ter um direito que se
transforma em fonte de doença, como se fosse um castigo. Devemos compreender o
que se passa nas relações de trabalho para tentar suprimir ou pelo menos
diminuir os malefícios ocasionados pela
desorganização no trabalho.
É necessário uma expansão ou uma diminuição na carga psíquica de
trabalho. Na falta de poder assim liberalizar a organização do trabalho,
precisa-se resolver encarar uma reorientação profissional que leve em conta as
aptidões do trabalhador, as necessidades de sua economia psicossomática, não de
certas aptidões somente, mas de todas, se possível, pois o pleno emprego das
aptidões psicomotoras, psicossensoriais e psíquicas parece ser uma condição do
prazer do trabalho.
Agosto/2013
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